Só amor na família… não chega!
A pretensão de considerar a família como um lugar do bem-estar, da satisfação pessoal, de que basta amarem-se uns aos outros para se construir um porto de abrigo seguro como se fosse um invólucro protetor para enfrentar a vida, torna-se numa visão afastada daquilo que vivem as crianças, as mulheres e os homens que nos consultam. As feridas, as carências, as frustrações acumuladas ou as mágoas estão tão presentes que dificilmente nos apercebemos do tempo que é preciso para se libertarem da influência de uma mãe que protegeu demais, de um pai demasiado ausente (a sua presença física, essa, não é assim tão essencial como popularmente se pensa) ou de um parente obsessivo, autoritário, dependente, narcísico, permissivo, perverso e/ou tantos outros fracassos afetivos.
O amor que aparentemente envolve o seio familiar não impede que haja sentimentos de rivalidade, de lealdade, de injustiça, de tristeza, de vergonha, de culpa, de ressentimento, de desprezo, de ciúme, de ódio, de suspeição, de insegurança que permanecem bem ativos na pessoa e que a deitam abaixo. Vive-se ainda numa crença cultural que mantém a ideia culpabilizante segundo a qual certas partes de nós-próprios são perversas, que se têm que vencer e eliminar. O problema é que estes sentimentos desagradáveis não devem ser negados mas saber geri-los. Porque, enquanto as mágoas não estiverem sanadas, as contas afetivas saldadas, qualquer nova situação familiar (ou outra situação íntima que implique uma relação com uma pessoa mais próxima) faz surgir toda a carga emocional com a mesma intensidade vivida na infância. O que é muito desestabilizador! E que desgaste se torna para as relações amorosas?
Com uma certa futilidade pensa-se que basta amar para que tudo corra bem. Cresce-se com a ideia de que quando se ama não se conta os gastos. Porém, na verdade, quanto mais se ama mais os laços se fortalecem e até o mais pequeno pormenor se torna importante. Os laços são tão fortes que algo de simples, à primeira vista, se revela inconscientemente essencial… que espanta qualquer pessoa alheia ao acontecimento. Pensa-se erradamente que a pessoa não se sabe controlar, que é fraca. Na verdade, a proximidade, a intimidade apela a exigências, anima esperanças que não se requereriam a um desconhecido. Quanto mais se gosta de alguém mas a sensibilidade se amplia e as contas afetivas a saldar aumentam. Para se estar bem em família sem dúvida que o amor é necessário mas não é o suficiente.
Uns dedicam tempo à família, investem nisso com alma e coração, esperam receber afeição, ternura, fidelidade ou, outros, dinheiro, atenção ou apenas reconhecimento, reciprocidade. Percebe-se assim que as situações são incomparáveis. As contas afetivas familiares a sanar parecem esquecidas, compensadas, mas continuem bem acesas no inconsciente.
As contas afetivas familiares dependem mais do lugar de cada um na família, do sentido existencial que cada um desenvolveu, entre outros fatores possíveis. Reconhecer que se tem contas afetivas a saldar, que existem ressentimentos, não é fácil nem gratificante e, muitas vezes, prefere-se negar os factos. É um tabu, ainda que se subentenda que haveria muito a dizer mas… segue-se o silêncio reforçado pela ideia “que se lava a roupa suja apenas em família”. Repare que pode ser vergonhoso passar por mesquinho, ser apontado como uma pessoa vingativa ou ciumento. A negação ou a tentação de controlar parece ser sempre a via mais fácil, mas essa via fragiliza, desgasta. Quanto mas se rejeita a parte de si que viveu mais se cria um fosso sujeito a se criar uma depressão desencadeada por um futuro acontecimento. Culpa-se a crise ou foca-se a situação financeira mas o problema, a verdadeira causa, essa já se encontrava na pessoa. Todavia, reconhecer e dar espaço aos sentimentos desagradáveis liberta. Admitir que se teve pensamentos “maus” (sem passar a atos) sobre pessoas próximas, com valor afetivo, permite passar a outra coisa, possibilita investir numa dinâmica relacional nova e sã.
Mas como consolar a criança magoada que está em nós?
Como dizer as verdades, o que me vai no coração, sem deteriorar mais ainda uma relação? Como posso perdoar um familiar se as mágoas foram tantas? Mas, o perdoar não pode ser imposto por ser socialmente correto! Como reparar uma relação, como trabalhar a comunicação na relação?
Em suma, quando tudo isso não se tem em conta durante a infância da criança, na idade adulta a complexidade desponta! O que tem um determinado valor para uns não tem para outros, porque há um valor afetivo e simbólico diferente. Mas com quem é que se deve saldar as contas afetivas? E, para que é que isto serve? Como esclarecer e ultrapassar tudo isto?
São as respostas a estas perguntas que vão participar no bem-estar da pessoa.
Workshops Disponíveis
Existem “ferramentas”, diversas soluções, estratégias práticas e eficazes retiradas da experiência, que se podem personalizar e serem ensaiadas na sessão.
Não fique a viver situações dolorosas quando atualmente existem formas saudáveis para as ultrapassar!
Aconselha-se a ler também, no mesmo site, os artigos intitulados:
– A frustração da criança e do jovem é uma dor de cabeça para os pais!
– Depressão ou Estado Depressivo Passageiro
– Mais razões importantes para consultar ou ter um apoio psicológico
« O que esconde a vontade de querer convencer? | Home | Em que equilíbrio psicológico se encontra a minha criança? »
Comments
Nesta artigo, entramos diretamente no vivo da questão no relacionamento na família. Nos leve a ter uma visão diferente das coisas sendo tanto fundamental, com humanidade e esperança.
O despertar é essencial. Este artigo é um olhar para a complexidade e consequencias de questoes emocionais mal resolvidas que ao longo da vida se transportam para os relacionamentos, impedindo o bem estar próprio e dos que convivem proximamente.Tomar consciencia da necessidade de um auxílio psicológico é fundamental para descobrir o caminho para a verdadeira liberdade de ser pleno e feliz.
Interessantes reflexões.. Mas mais se poderiam fazer. O que é o amor? Amor home -mulher? Amor homem-homem? Amor-mulher-mulher? Amor ilial? Amor pelos pais? Como cada uma destas situações se reflete nos filhos? Um marido ou uma mulher infiel… os filhos sabem. Compreendem? Reagem? Tanta situação diferente… tanta compreensão que os pais devem ter em relação aos filhos e vice versa…
Sim, não basta amar em família. Desde muito cedo nos dizem que a família e o bem maior e o mais importante. E em nome disso há muito quem use o seio familiar para não respeitar a individualidade de cada membro e fazê-lo crescer de forma harmoniosa como e função dos verdadeiros educadores. Estes, os que não são educadores de todo aproveitam-se do indivíduo em formação e moldam-no a sua imagem ou a imagem do que pretendem camuflando os seus verdadeiros desígnios debaixo da capa do amor da família e comprometendo o seu bem estar emocional. Mais do que nunca estas questões devem ser encaradas como de saúde pública e os nossos psicólogos formados e sensibilizados para as mesmas.
Mais uma vez um fantastico artigo que nos leva a refletir de uma forma simples e pratica sobre esta tematica de grande complexidade que, na minha opiniao, muitos falam dela como uns especialistas mas as suas accoes nada refletem o falam sobre o que e o amor. Obrigado grande amigo Antonio por mais uma partilha!
O tema é altamente sensível e complicado, além de extremamente difícil de tratar com verdadeira justiça, abrange a todos nós, pais, filhos, professores, profissionais em geral.
Acho que fez uma abordagem limpa, plausível que do ponto de vista pessoal é uma constatação. Daí, os nossos parabéns pela síntese científica, clarificadora e também, porque não dize-lo, pela coragem na avaliação, contrariando outras opiniões mais enraizadas na actualidade.
Um abraço nosso e gratos pela partilha António e Beatriz
As relações familiares são as mais complicadas. Excelente artigo.
Texto muito interessante como sempre, a sociedade devia ter como modelo estes sábios ensinamentos que ajudam muito ao bem estar das pessoas, quem o faz sabe a diferença que traz para a vida de cada um.
Parabéns pelas temáticas abordadas. Considero os seus estudos e a forma como os pratica com os seus pacientes, absolutamente notáveis.
O seu profissionalismo e o empenho que imprime nas estratégias delineadas para cada caso alteram sempre os comportamentos em estudo e facilitam os relacionamentos envolvidos.
Agradeço-lhe profissional e pessoalmente
Leave a Comment