Será assim tão saudável ser uma criança obediente?
Numa década onde, justamente, se toma mais consciência da importância de dizer “não” a uma criança e de se colocarem certos limites para que ela não venha a ser uma criança toda poderosa, convém ter em conta o facto de que uma criança muito obediente poder também ser um sinal de que ela não está tão bem como parece. A criança que não cria problemas, que obedece constantemente, que corresponde a muitas das expectativas que os pais imaginaram, pode não estar a desenvolver-se psicologicamente da melhor forma. Por exemplo, aquela criança que vai com os pais visitar alguém e ficar sempre muito sossegadinha todo o tempo sem incomodar ninguém pode estar a utilizar uma dissimulação, um disfarce, é como se fingisse que estava completamente ausente da situação. Na verdade, não está psiquicamente presente com as demais pessoas nem com ela própria.
Esta atitude que a criança adoptou não é mais do que uma estratégia para se sentir aceite, amada e protegida pelos pais. Ela tudo fará para que seja amada incluindo aceitar a sua “inexistência” e disposta até a não manifestar nenhum desejo para não incomodar. Porém, esta forma de estar vai complicar a sua futura vida. Incapaz de ser uma pessoa aberta e ativa com os demais.
Um pai que não deixa espaço à criança para que ela manifeste os seus desejos, para afirmar as suas necessidades, corre o risco que a criança deixe de ter desejos próprios, que fique numa espera passiva para que o pai decida por ela e que adivinhe o que ela quer. Tentar adivinhar, pensar e decidir em seu lugar, é negar a sua realidade psíquica, a sua riqueza pela vida, tornando-a muito dependente. Muitos dos desejos expressos pela criança são, na realidade, anseios profundos que apenas pretendem ser reconhecidos como tal sem que forçosamente tenham de ser concretizados. A manifestação desta confrontação com os seus desejos não é nenhum fracasso relacional apenas necessita de espaço para serem expressos sem terem de ser realizados. Será algo que poderá ser um tanto ou quanto desagradável, certo, mas mais salutar para o equilíbrio da criança. O simples ato de resistir a alguma imposição vai permitir-lhe construir uma ideia clara do que deseja, sente e pensa.
Em certos casos, porque as crianças não reagem todas da mesma forma, ao saber que precisa dos pais para sobreviver, desiste do seu ser e renuncia às suas necessidades para obedecer a quem lhe mete medo, criam-se, assim, as condições para que ela se sinta insegura, nervosa, as tensões aumentam nela e a possibilidade de fazer disparates também.
E mais… posteriormente, de que forma é que a criança amará uma outra pessoa? Porque para se amar e ser amado salutarmente é necessário afirmar as suas necessidades, defini-las para gostar de si-própria primeiro, para não se tornar num “pedinte” de amor que venha completar as carências infantis que nunca foram tidas em consideração. Como é que ela pode gostar de si própria se fez sempre tudo para agradar aos pais? O gostar-se de si próprio nada tem a ver com o egoísmo ou com a presunção e que a nossa cultura desvaloriza! Trata-se apenas de apoiar a criança a se expressar, a se aceitar, a desenvolver as suas competências e não apenas aquelas que os pais desejariam. Impor-lhe limites, certo, e hábitos aceitáveis mas não demasiado rígidos com muita pressão ou exigências.
Aconselha-se a ler também, no mesmo site, os artigos intitulados:
– Como dar atenção à criança mesmo com pouco tempo disponível?
– A importância de se estabelecer regras e limites à criança.
– Como valorizar uma criança para que se sinta aceite, compreendida e respeitada
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Comments
Mais uma vez um fantastico artigo!
Parabens amigo!
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