Numa nova era com escassos recursos financeiros não se terá que repensar a forma de como cada um deverá estar na vida?
Com o dinheiro pode comprar:
Uma cama mas não o sono,
Os alimentos mas não o apetite,
A bijutaria mas não a beleza,
Os livros mas não a inteligência,
Os medicamentos mas não a saúde,
Os tranquilizantes mas não a paz,
O prazer mas não a alegria,
O conforto, o luxo mas não a felicidade,
Uma certa reputação mas não uma boa consciência,
Os relacionamentos mas não um verdadeiro amigo,
Um seguro de vida mas não de morte,
Um lugar no cemitério mas não no céu,
É por isso que não vale a pena ralar-se desde que tenha um mínimo assegurado!
Autor anónimo
Em nenhuma época houve uma tal obsessão pelo dinheiro como atualmente. Para muitos, a posição que se mantém na sociedade existe apenas em função dos seus recursos financeiros. Todavia quando a hora da partida bate à porta não há nenhum serviço de transporte de mudanças para o além. Por isso enquanto se está ainda vivo com imaginação, não será melhor aperceber-se que se é apenas um mero gestor de bens e um cuidador de pessoas mais próximas? Será correto continuar a pensar em ser apenas proprietário, uma pessoa com posses?
Fará sentindo recorrer continuadamente aos determinantes possessivos como: o meu ou a minha, como se fosse ainda uma criança? O que é que se procura indiretamente com estas atitudes de posse sobre alguém? Dificilmente, para não dizer nunca mais, se encontrará uma pessoa que possa proporcionar os momentos fusionais e ideais que criança experiência com a própria mãe. A aceitação da diferença do outro implica a ideia de interrupção desta separação psíquica fusional com a mãe, de pôr termo à ideia de posse, de propriedade do outro. Repare que é na diferença que a vida desabrocha.
Será que precisa de se envolver com tantas coisas materiais tendo como único objetivo ter sempre mais? Do que é que se anda a fugir com este objetivo? Esta fuga não será, inconscientemente, uma versão moderna da mitologia grega do mito de Sísifo? O esposo de Mérope foi condenado pelos deuses do Olimpo a empurrar incessantemente um enorme rochedo até ao cimo de uma montanha. Mas chegando ao cume a pedra rolava por ela abaixo. O suplício de Sísifo ficou célebre: repetir incessantemente o mesmo trabalho.
Às vezes foge-se, acumulam-se tantas coisas, porque compensa e, assim, se evita olhar para o interior onde encontraria o que verdadeiramente precisa. Acumulam-se objetos para afugentar a sensação desconfortável de cargas da infância (mágoas, frustrações, carências, receio de não ser amado, medo de ser abandonado ou de ser desvalorizado, entre outras). Amontoam-se sempre mais objetos pensando que é o caminho para o bem-estar. Quando na verdade são apenas momentos de prazeres de curta duração. Logo que terminam pensa-se na aquisição dum outro possível e assim sucessivamente, sem fim. Convém também não interpretar os objetos e o dinheiro como se fossem algo de ruim. De forma alguma, são instrumentos da sociedade úteis e necessários, mas é a relação com os mesmos que requer ser refletida e melhor ponderada. Para se viver em sociedade qual será o verdadeiro reconhecimento que se necessita? Não será mais conveniente privilegiar a qualidade de vida, melhorar os relacionamentos, do que apenas aumentar a quantidade de bens e de atividades?
Mas para se destacar a qualidade de vida não terá primeiro que arrumar certas “gavetas do passado”, curar feridas camufladas, cuidar de mágoas, gerir saudavelmente a agressividade reprimida ou demasiadamente expressada, apoiar a “criança interior” que se encontra dentro de cada um para que esta se desenvolva cada vez mais? Apoiar-se naquilo que realmente preenche uma pessoa distinta das outras, dar um sentido à vida sem perder o contato com a realidade? Quais são as verdadeiras capacidades dentro de cada um que precisam de desabrochar, desenvolver, trabalhar, realizar? Será que pode ser ajudado a desenvolver o seu verdadeiro potencial que permanece ainda na lista de espera? Quais são as suas necessidades psicológicas, os seus valores fundamentais e o seu sentido para a vida que precisam de ser esclarecidos, expressados e tornar-se proactivo para os satisfazer? No seu ambiente envolvente o que haverá de concreto que esteja em consonância consigo que o possa recarregar de “energia”, que lhe faculte alguma satisfação pessoal? A forma como a pessoa for auxiliada a responder a todas estas perguntas fará a diferença!
E porque não, trabalhar também o tão aviltado respeito por si próprio, sem arrogância nem egoísmo, independentemente dos bens e não só dar importância ao respeito pelos outros? Para se estar saudavelmente com os demais tem que se estar bem consigo próprio. Não é nenhum luxo! A perda de respeito por si próprio aumenta a possibilidade do desrespeito dos outros para consigo. E, assim, coloca-se numa posição ou numa relação de dominação/submissão que acarreta ainda mais insegurança. Insegurança essa desgastante quer para aquele que domina porque permanece num estado de vigília, numa constante tentativa de controlo, quer para o submisso demasiado dependente para decidir por ele próprio.
Mas como encontrar o justo equilíbrio entre o que se necessita e o que o outro necessita? Para agradar alguém terá que se sacrificar? Estará isso correto? Porquê não se questionar, colocar-se em causa, para não se abandonar apenas ao destino? Recomenda-se a leitura da obra “Le Mythe de Sisyphe” do escritor francês Albert Camus (1913-1960). No qual Sísifo, um modelo de herói absurdo, executa o seu destino aceitando-o e executando-o, repetida e persistentemente, sem nunca se questionar para o modificar, até um dia em que a revolta se ergue e…
Como gostar mais de si próprio quando se foi anos a fio desvalorizado, desrespeitado, para depois cuidar melhor dos outros e amar os mais próximos sem sacrifícios nem contrapartidas? Porquê em nome do destino ou do que quer que seja permanecer numa posição de vítima? Não tem que ser essa a única via!
Na realidade, para se ser uma pessoa livre há que saber, e porque não aprender, a ser responsável daquilo que se pode fazer com o que se deseja, se sente, se pensa e se faz. Uma pessoa pode não ser responsável daquilo que lhe fizeram mas torna-se responsável daquilo que vai fazer a seguir. É sempre livre de tomar uma outra decisão. De maneira que se torne inteiramente responsável dos atos que escolhe realizar, das suas consequências, independentemente do que lhe fizeram antes. No entanto, o sofrimento pode ser tão intenso que sozinha não consiga fazê-lo. Quando se sofre, quando se perde o equilíbrio é complicado ter uma avaliação objetiva e ajuizar com bom senso. Isto não diz apenas respeito aos adultos que sofrem psicologicamente como também às crianças e aos jovens em pleno desenvolvimento que enfrentam a dureza da realidade da vida que nem sempre é fácil.
O maior erro que se pode cometer é o de pensar que não se faz nada porque apenas se pode dar um pequeno passo. Mas desde a infância tudo começa com um pequeno passo, citando Antoine de Saint-Exupéry:
– “Uma pedra não tem outra esperança a não ser ser uma pedra, mas em colaboração com outras elas juntam-se e tornam-se num templo.”
Nesta nova era com poucos recursos financeiros não se terá que reconsiderar a forma de cada um estar na vida? Saber pedir ajuda não é um sinal de fraqueza mas de força. Repare que existem pessoas que foram vítimas de situações graves e duras da vida, mas fizeram tudo para melhorar o destino delas. Outras, porém, que têm tudo para terem sucesso e, mesmo assim, posicionam-se como autênticas vítimas da sociedade ou do destino. Todas as pessoas, independentemente das atrocidades ou dos atropelos que viveram, possuem inconscientemente os recursos necessários para ultrapassarem aquilo a que foram submetidas. Todavia, para que uma pessoa o consiga sozinha é complicado!
A cultura, a sociedade, a vida estão repletas de mitos, de crenças, de paradoxos que nada ajudam. Vejam-se alguns paradoxos: deve-se ter mais liberdade ou mais disciplina? Colaborar ou competir? Afastar-se ou aproximar-se das pessoas? Ir para experiências novas ou manter-se nos velhos hábitos? Manter-se em silêncio ou defender-se? Dedicar-se à família ou à carreira profissional? Dirigir ou ser um mentor? Desembaraçar-se sozinho ou pedir ajuda? Em que situações se aplicam um e o outro caso?
Na reta final, mencionando outro autor literário francês Louis Ferdinand Céline (1894-1961):
– “Quando se não tem imaginação, morrer pouco é, mas quando se tem, morrer é de mais.”
Proximamente será publicado um artigo sobre:
O respeito por si próprio e o amar-se a si mesmo
(acompanhado dum vídeo)
Resumo
A nossa cultura transmite a ideia de que tudo o que é desconfortável, penoso, estressante tem que ser reprimido ou eliminado com substâncias se for necessário (medicação, drogas, álcool,…). Ou então, de que se tem que suportar o insuportável. A pessoa ingressa num ciclo vicioso de procura de satisfações superficiais escassamente compensatórias. Como inverter estas ideias, estes princípios para que cada pessoa se respeite mais, goste mais dela própria sem ser egoísta?
Porque é que existem tantas pessoas que não conseguem ter tempo para pensar, para pararem, preferindo estar sempre no ativo? Outras que repetem apenas o que os outros dizem sem refletirem sobre o mesmo? Do que é que andam inconscientemente a fugir? Será que se podem colocar estas ideias em causa mesmo numa sociedade em si mesma estressante e competitiva?
Aconselha-se a ler também, no mesmo site, os artigos intitulados:
– O que esconde a vontade de querer convencer?
– Não seja vítima duma relação perversa narcísica!
Workshops Disponíveis
Não fique a viver situações dolorosas quando atualmente existem formas saudáveis para as ultrapassar!
Existem “ferramentas”, diversas soluções, estratégias práticas e eficazes retiradas da experiência, que se podem personalizar e serem ensaiadas na sessão.
« O respeito por si próprio e o amar-se a si mesmo | Home | Da traição à vingança… Como agir? »
Comments
Convicta desta realidade que leva as pessoas ao extremo, concordo plenamente com a situação materialista do Mundo de hoje.
Gostei imenso deste tema, pois por vezes também me identifico, sem vergonha de o dizer que também sou materialista, e de facto é falta de amor próprio e uma maneira de fugir.
Gostava muito de praticar estratégias para suprimir estas dificuldades.
Gostei muito do artigo.
Maria Santos
Estive agora mesmo a ler o artigo e achei muito interessante, pertinente e profundo. Parabéns!
Gostava de saber se o posso partilhar com os pais das minhas crianças pois, cada vez mais, acho que o problema desta sociedade advém da família. Podemos falar de insucesso escolar de desemprego de dificuldade disto e daquilo mas, o “mal” está na família. Cada vez mais os pais NÃO querem saber dos filhos. Põem-nos em frente de tlm, tabletes, tv, pc e coisas do género para que eles não chateiem e não têm qualquer disponibilidade para eles. Depois admiram-se que os filhos lhes batam, lhes gritem, lhes chamem nomes??? Claro que sim. Estão apenas a pedir ajuda, ajuda essa que eles não querem dar nem estão dispostos a dar. Cada vez mais a família se desresponsabiliza das suas funções e depois vê-se no que dá: adultos sem limites que agridem as(os) namorados/mulheres/maridos/professores e todos os que lhes querem por limites. Ninguém quer sair da sua zona de conforto, desde as famílias aos governantes e por isso, esta sociedade não pode evoluir positivamente. É assustador!
Um abraço
Wanda
Ao ler este artigo veio-me à memória uma frase de Virgílio Ferreira: “Não importa o que fizeram de nós, mas aquilo que fazemos com o que fizeram de nós.”
O ser humano é um ser em processo, em crescimento. É muito normal que nesta caminhada existam etapas um pouco mais difíceis. Pedir ajuda nessas alturas é um acto de inteligência!
Ainda bem que existem profissionais compententes para o fazer. Bem hajam!
Boa tarde
Li o artigo e concordo…a chamada “sociedade de consumo” conduziu a muita desumanização
No entanto e atualmente o problema maior,em minha opinião, não é o das pessoas que tudo fazem para ganhar dinheiro sem muitas vezes o aplicar em coisas úteis, mas o das pessoas que por mais que façam não ganham para o essencial.
Mas isso é outra questão
Cumprimentos
NUNO
– Parabéns pelo excelente artigo! Uma dádiva social.
Mais um fantástico artigo para mim!
De uma forma simples, caro amigo António, expressas um problema, as suas causas bem como o que podemos fazer para aumentarmos a nossa qualidade de vida que nada tem a ver com “ter mais”. O teu apelo para o aumento da tomada de conciência da realidade em que vivemos e daquilo que somos (ou nos tonamos) faz todo o sentido para mim pois parece-me que é o ponto de partida para a mudança de consciência e, consequentemente, para a criação da qualidade de vida onde as pessoas passarão a ser mais importante que as coisas.
Obrigado pela partilha amigo mais uma vez!
Hoje em dia trocando o trabalho por dinheiro é bem melhor do que trabalhar de sol a sol só para comer, é preciso é saber usá-lo e não se deixar levar por falsas necessidades.
Obrigado por mais um bom artigo!
Não há sentimento melhor do que aquele se experiencia quando conseguimos caminhar na vida com alegria apesar de todos os contratempos do dia á dia. Ou no meio de dificuldades que jamais imaginávamos para nós e que tempos antes nos horrorizariam e julgaríamos impossível ultrapassar.
A vida está sempre a tentar ajudar-nos se nós o permitirmos. Obrigada por mais um artigo que tanto nos diz e que pode despertar outras consciências. Como sempre muito humano. As imagens são muito inspiradoras!
Li o artigo e gostei imenso António! Quando li o titulo pensava que seria uma determinada leitura mas depois com a continuidade gostei muito mais… pois a certa altura vai ao encontro de ajudarmos quem tanto sofre emocionalmente/psicologicamente…
Mais uma vez, um enriquecimento intelectual e psicológico! Beijinhos, Marysa.
Leave a Comment