Da traição à vingança… Como agir?
Escrevi este artigo porque popularmente pensa-se que perante uma traição os únicos caminhos possíveis são o da vingança, o da violência, o do perdão, o do esquecer ou o da resignação. Ao ler o artigo espero ter contribuído para demonstrar que existem outros caminhos saudáveis.
Nas relações humanas a traição é sinónimo de infidelidade, de deslealdade, de ter sido enganado. A nossa cultura associa o conceito de traição a um julgamento que invoca a cobardia ou o desdém. Porém, na vanguarda do conhecimento das relações humanas do século XXI, se se tentar perceber o que conduziu a pessoa a trair e a ser traída, ajuda a ter uma perspetiva diferente e pode-se evitar sofrimentos inúteis. Muitas vezes, no momento do ato de trair, o chamado traidor não tem bem a consciência de estar a fazê-lo.
Mas como aceitar uma traição? Como é possível encará-la como uma fatalidade, como se fosse algo de inevitável? Será pedir demais ser-se fiel um ao outro? Sem a esperança de ser amado para sempre, para que serve amar se é para sofrer? Quais são as outras alternativas para não sofrer tanto e, mesmo assim, amar e relacionar-se com alguém?
Na realidade a traição é mais frequente do que se pensa. O risco de ser traído existe em todas as relações humanas (entre casais, familiares, amigos, colegas). Dito isto, pergunta-se: com que certeza é que uma pessoa pode escapar a uma traição? Evidentemente que o objetivo, dum casal por exemplo, é de construir uma relação baseada na confiança e no respeito mútuo permitindo o bem-estar. Todavia, isso não impede que cada um desenvolva e alimente a sua confiança própria, aceitando um potencial possível de traição. Quais são as vantagens desta hipotética aceitação? Preservar em mente esta possibilidade aumenta a possibilidade de viver mais positivamente, de tirar melhor partido das suas próprias capacidades para não esperar sempre tudo do outro, nomeadamente para não o idealizar doentiamente. É mais saudável encarar com bom senso uma possível realidade do que pensar ou manter a ilusão de que a traição nunca virá a acontecer.
A traição existe entre duas pessoas apenas quando se rompe um pacto de promessa de fidelidade, o laço de confiança. Inevitavelmente o traído pode cair num estado de abatimento, atordoado pelo efeito de surpresa e sente-se invadido por um conjunto de emoções desagradáveis desde a ira, ao ódio, ao sofrimento, ao ciúme, à vingança, ao sentimento de abandono, à tristeza… Como ultrapassar estas emoções desagradáveis? Como libertar-se destas cargas emocionais e, particularmente, não enveredar nem pela vingança nem pelo perdão sem estar pronto para o fazer? Entre o perdoar, entre o esquecer como se fosse possível e entre a vingança, quais poderão ser as outras possibilidades? O que é que a traição revela na própria pessoa traída? Não estará a idealizar demasiado o outro, projetando nele a sua própria imagem de querer ser perfeita?
A forma como se vai responder ao traidor depende da natureza e da intensidade do laço que une os parceiros, da sua história pessoal, daquilo que se investiu no outro, do seu próprio ambiente, da capacidade de analisar o que levou o outro a trair. A pessoa traída sente uma quebra desestabilizadora neste laço de confiança. Apercebe-se que se deixou iludir pelo outro e que terá de rever e renunciar a um conjunto de crenças (aqui o fator cultural também tem o seu peso, muitas vezes são crenças “perversas”, desestabilizadoras que pouco coadjuvam) e de representações mentais que correspondiam aos seus desejos, que até a ajudaram a se projetar no futuro, mas que não correspondem à realidade. Terá que fazer o luto da pessoa que pensava conhecer. No fundo ela até é a pessoa que se pensava que fosse. Mas, tinha outras facetas que não queria que fossem detetadas, conhecidas ou verdadeiramente encaradas como possíveis ou até provavelmente se foram desenvolvendo com as vivências do dia a dia. Para quem é traído é uma confrontação, uma mudança brutal nas referências pessoais.
Uma visão diferente da situação requer uma renúncia do laço de exclusividade que mantinha ilusoriamente. Foi uma ilusão sempre alimentada pela convicção de se ter uma relação exclusiva, como se pudesse manter fixa no tempo para sempre. Ora todas as pessoas evoluem, descobrem novas facetas delas próprias, as suas vivências desencadeiam outras necessidades que já não correspondem à relação doutrora que foi exclusiva e privilegiada. Por isso, a traição é um acontecimento que obriga a fazer o luto de algo que existiu mas que foi interrompido por fatores que podem escapar à pessoa traída.
Para superar uma situação desagradável de traição e para dar um sentido ao sucedido é necessário também falar sobre isso. Apaziguar as tendências ruminantes (pensamentos, ideias pré-concebidas). Dedicar algum tempo para expressar a ira, derramar a tristeza sem analisar nem criticar e tentar perceber o que levou o outro a trair e, porque não, para tirar partido positivo do mesmo para o futuro sem cair nos extremos que apenas arrastam mais sofrimento. Se se tenta fugir ao desgosto e controlar as emoções, estas ficarão sempre bloqueadas inibindo o futuro bem-estar. No final, terá que haver todo um reenquadramento que consiste em alterar o ponto de vista em relação ao acontecimento desagradável vivido pela pessoa traída.
É conveniente não se ficar preso ao papel de vítima e que a pessoa se distancie o suficiente para tomar melhor consciência da sua parte de responsabilidade (que nunca é total nem nula). Aprofundando melhor a questão poder-se-á perguntar: o que é que justifica fazer cegamente confiança em alguém só porque estamos ligados a ela? Será isso sensato? Não será mais uma falta de autoconfiança que conduz inconscientemente à procura duma forma de compensação, isto é, querer-se uma segurança ligando-se para sempre ao outro e projetando nele os seus próprios desejos, entre eles o de se sentir mais seguro? Ou também ver nele a pessoa perfeita que ela própria gostaria de ser?
Quando se foi traído, admitir a sua parte do erro é o mais difícil de aceitar e, sem ajuda, fazê-lo sozinho, mais ainda. E então, a vontade de vingança bate à porta. Quais vão ser as desvantagens e as suas consequências? Às vezes há pessoas que precisam de se sentirem mais independentes na relação, precisam de mais espaço e acabam por trair a outra pessoa. De tal forma, que a ideia de traição passa para um segundo plano. Mesmo que na verdade estejam a trair mas não o encaram desta forma. Fê-la, simplesmente, como sendo uma necessidade para se poder afirmar melhor como uma pessoa diferenciada e que consegue existir sem ter a outra sempre presente. De facto, são duas pessoas que se relacionam e que apesar de terem algumas semelhanças são diferentes em muitos outros aspetos. Aquele que se designa como traidor recorda-nos que o amor absoluto e as verdades absolutas não existem na realidade. Deve-se pensar melhor sobre a ideia de castigar alguém mal comportado, porque vai incutir-se ainda mais sofrimento na pessoa, quando há outras vias para aliviar e arrumar uma situação de traição.
Conforme as personalidades de cada um e consoante o contexto, em certos relacionamentos pode-se encarar esta situação de traição como uma oportunidade para reavaliar a relação do casal. Trabalhar a comunicação, rever a necessidade de cada um obter mais espaço, aprender o pedir (aceitando a possibilidade do outro recusar para não ser encarado como se fosse uma obrigação), o dar (sem estar à espera duma contrapartida, ou seja deve ser gratuito), o receber (estar ciente que não se pode estar sempre disponível) e o recusar (não pensar que quando se ama tem que se adivinhar e quando se recusa isso não significa que se rejeita a pessoa mas apenas o pedido dela). Tudo isto, entre tantas outras coisas que se podem trabalhar e melhorar, porque cada relação também é única.
Estar juntos é conseguir estar um com o outro, mas também reconhecer mutuamente nas suas diferenças inflexíveis. Cada um precisa de encontrar a distância que lhe convém. Estar ligados, unidos solidamente, viver juntos, não significa fazer sempre tudo em conjunto. A sensação de fusão com o parceiro, que para muitos corresponde à relação conjugal ideal, que não se faz nada sem o outro, que se deve estar sempre juntos, indica um caminho com riscos elevados de sofrimento. Mas donde vem esta procura de fusão?
A sensação agradável de fusão reativa a ilusão de poder infantil mantida com a própria mãe nos primeiros meses de vida e que foi saudável para um bom desenvolvimento. Mas querer manter na idade adulta essa sensação de conforto, de poder ilusório, fragiliza a pessoa numa relação e tem que ser trabalhada psicologicamente para amadurecer. Quando se gosta de alguém e pensar que ela se torna “meu” revela a necessidade psicológica de pertença e de ser aceite. Estas necessidades psicológicas podem ser satisfeitas por outras vias mais saudáveis.
Indo mais além e refletindo melhor, como é que numa relação uma pessoa se pode sentir bem com ela própria, se viver em função da fusão, da admiração, da idealização do outro? Quando se expõe à sensação de que o outro é que sabe o que é bom para ela. Quando se acredita que é ele que vai satisfazer, em termos afetivos e psicológicos, o que não conseguiu na sua infância. Nestas condições uma pessoa sujeita-se a aumentar o sofrimento perante uma eventual traição.
E mais ainda, a pessoa não terá tido sempre uma necessidade de se sentir mais protegida, respeitada, aceite como ela é e não através da imagem difundida pelo outro, reconhecida com as suas verdadeiras capacidades diferentes das dele, como também, uma necessidade em gostar mais dela própria? Porque isto permite sair e ultrapassar esta infantil e doentia idealização do outro e, desta forma, vê-lo como um verdadeiro parceiro mais independente emocionalmente dela com o qual constrói e alimenta uma relação saudável.
O sofrimento surge quando a traição obriga a reconhecer, a olhar, para o que não se queria ver na própria pessoa, porque se preferiu ou se foi levada a o idealizar, a dar-lhe uma total confiança cega. No início da relação criou-se “uma ponte imaginária” entre ambos, decerto compensatória ou mesmo acolhedora, mas que foi quebrada com a traição. Apanhada pela realidade, o sofrimento indica a via, o trabalho a se realizar com ela, o que será necessário colmatar para que não se repetia o mesmo sofrimento numa próxima possível traição. Por isso não é destruindo o traidor ou qualquer outro ato de violência, que seria de facto apenas um alívio momentâneo, que se vai resolver o problema que se encontra em parte na pessoa que sofre. A violência é o pior caminho que se pode escolher para remediar o seu sofrimento, não só não cura as feridas psicológicas, como também, pode bloquear mais ainda o processo de recuperação. Impede a integração do acontecimento desagradável na história da vida da pessoa que a faria sentir-se menos desconfortável no futuro.
Mas na verdade, como encontrar ternura em si próprio quando a pessoa se sente culpada, magoada? Por outro lado sem apoio psicológico para ajudar arrisca-se a uma intensificação da fúria, do ódio. É o ódio recalcado, entre outras possíveis emoções, que destabiliza a pessoa criando-lhe a necessidade de vingança. Descobrindo esse sentimento desagradável como se fosse a única via muito popularmente utilizada para atenuar o sofrimento.
Em relação ao perdão existe uma “crença/armadilha” presente na nossa cultura que consiste em pensar que basta perdoar ou esquecer para que tudo volte à normalidade. Como se o outro caminho para se libertar da amargura, da ira, e doutras emoções desagradáveis fosse o perdão. Perdoar como que por um decreto-lei é negar a realidade e é adiar para mais tarde problemas psicológicos maiores. É preciso tempo para perdoar. Perdoar não é de forma alguma esquecer o acontecimento e muito menos negar o que se sentiu, não sendo também nenhuma reconciliação. É um trabalho que a pessoa tem que fazer com ela própria, para no final sentir se está ou não pronta para perdoar. Quantas pessoas tenho recebido no meu gabinete que se sentem destabilizadas psicologicamente por dizerem intimamente: deveria ser capaz de perdoar mas sinto-me incapaz de o fazer. A pessoa sente-se culpada quando é a vítima, acabando por se magoar e se detestar mais a si própria.
Eis outras questões que poderão ser abordadas, desenvolvidas e trabalhadas:
Perguntas mais específicas sobre a traição:
– Quando tem a sensação de estar a ser traído será sensato confrontar o outro com a situação? Como encará-la, o que dizer e não dizer, como ultrapassar esta situação desagradável?
– Será que através da traição, da procura de novas conquistas, não anda a procurar fora o que deveria sanar em si próprio? Não estará a manifestar uma instabilidade da sua identidade sexual?
– Enquanto criança, será que sofreu dum sentimento de abandono e receia entregar-se ao verdadeiro amor? Será que quando se sente muito amado julga-se insuportavelmente sufocado?
Perguntas mais específicas sobre a sua infância:
– Será que teve uma mãe possessiva? Um pai desvalorizador?
– Será que enquanto criança teve uns pais que lhe fizeram sentir implicitamente que precisavam de si, ou seja uma inversão de papéis?
– Será que é demasiado dependente emocionalmente?
– Não estará a repetir a história dos seus pais?
Perguntas mais específicas sobre o relacionamento do casal:
– Em que estado psicológico se encontrava quando conheceu o seu parceiro/a?
– Será que, por recear ser rejeitado, se refugiou na ilusão mais maleável, num mundo irreal?
– Qual é a sua ideia de casal? O que é que lhe atraiu no outro?
– Qual foi a promessa, qual foi a esperança, que o outro suscitou em si?
– Será que fez tudo para não ser conflituoso acumulando muita amargura?
– Como se encontra a capacidade de comunicação?
– Será que se sente inferiorizado e por não saber lidar com isso reage acusando o outro ou agredindo-o?
– Como pode evoluir para não ser o “jardineiro” do seu próprio mal-estar?
– Qual será o “esquema mental” que está a repetir na sua vida e porquê?
São tantas as perguntas que podem ser abordadas nas sessões que lhe vão permitir ter uma visão diferente de si próprio, melhorando-se e amadurecendo-se, com uma saída saudável duma situação tão desagradável como a da traição. Incluindo o como se prevenir melhor psicologicamente duma tal eventualidade.
Proximamente será publicado um artigo sobre:
– Numa nova era com escassos recursos financeiros não se terá que repensar a forma de como cada um estar na vida?
Saber pedir ajuda não é um sinal de fraqueza mas de força e de alcance de tranquilidade interior. Repare que existem pessoas que foram vítimas de situações graves e duras da vida, mas fizeram tudo para melhorar o destino delas. Outras, porém, que têm tudo para terem sucesso e, mesmo assim, posicionam-se como autênticas vítimas da sociedade ou do destino. Em nenhuma época houve uma tal obsessão pelo dinheiro como atualmente. Para muitos, a posição que se mantém na sociedade existe apenas…
Aconselha-se a ler também, no mesmo site, os artigos intitulados:
– O que esconde a vontade de querer convencer?
– Não seja vítima duma relação perversa narcísica!
Informação útil para os pais:
– Perspetiva Diferente sobre a Promessa e a Dúvida
Workshops Disponíveis
Não fique a viver situações dolorosas quando atualmente existem formas saudáveis para as ultrapassar!
Existem “ferramentas”, diversas soluções, estratégias práticas e eficazes retiradas da experiência, que se podem personalizar e serem ensaiadas na sessão.
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Comments
Senhor António, obrigado pelo seu artigo, gostei de ler.
Realmente muitas vezes as pessoas traem sem ter o sentimento de culpa presentes na ação, o pior é o que se faz a outra pessoa sentir como consequência dessa ação.
Mais um fantastico artigo de um profissional e um veredadeiro Mestre nesta area!
Obrigado pela partilha e contributo meu amigo e Mestre!
António, gostei muito do artigo, o tema é muito interessante! Ler este artigo foi uma “experiência” com especial significado para mim (não só pelos contornos da minha vida); mas também pelo contributo que deu à minha instância interna e ao meu enriquecimento profissional. Por tudo isto, obrigada! Beijinhos, Marisa.
Concordo com quase tudo o que está no artigo, fui traída várias vezes no meu casamento,;tentei avaliar o que eu poderia ter feito de errado , tentei conversar , mas meu marido é Borderline e conversar se torna uma tarefa quase impossível sem que aja manipulações , raivas, projeções, fica difícil separar o racional do irracional.Na verdade me sinto culpada por tudo o que ocorreu. Estou repensando pela primeira vez as minhas necessidades , não me sinto feliz, nao posso ajuda -lo , mas sei que posso me ajudar, e pela primeira vez na minha vida estou focando em mim. Preciso melhorar a minha auto estima, depois que fui trocada várias vezes me sinto inadequada e sem valor, que coisa difícil viver assim! Porque numa relação com uma pessoa com um transtorno você nào tem feedback , você nào consegue conversar normalmente pra ver onde errou,não há diálogo. A traiçào já vem carregada de mentiras, mas a vida com um borderline a mentira é uma constante mesmo que no momento não esteja ocorrendo uma traição.
tenho usado um programa ótimo para monitorar o celular do meu namorado recomendo a vcs que façam o mesmo pois com esse programa tenho acesso a todas as conversas mesmo que ele apague https://www.espiao.com.br/
Conheci em rede sociais, então também não me senti segura
Utilizo o programa espião https://www.syncsoft.com.br/spymaster/espiao-de-whatsapp.html e eu vejo absolutamente tudo, de chamadas, mensagens, sms e localização.. Eu recomendo, com esse nada fica escondido.
Estou em relacionamento tem 6 anos, moramos juntos nosso filho tem 2 anos. Nossa relacao e boa, ele e uma pessoa muito boa, nossas familias se dao muito bem. Ele e um otimo pai, carinhoso, atencioso, diz me amar. Porem, durante esse periodo de relacionamento ja descobri 4 conversas por mensagem, troca nudes, enfim.. acredito que nao tenha tido traicao fisica em nenhuma das vezes, (as meninas com quem conversava eram de outras cidades). Das outras vezes (doeu muito), mas, perdoei de verdade, essa ultima(doeu menos, acho que ja acostumei) me sinto cansada, a pessoa nao muda esse comportamento.. Tenho 27 anos muita coisa pra viver e conquistar, tenho objetivos profissionais bem definidos (quero direcionar meus esforcos pra minha realizacao pessoal). Sinceramente nao tenho paciencia pra lidar com essa questao, ele escolheu esse caminho, tera conseguencias. O que mais me doi em pensar em separacao e o meu filho, nao estarmos juntos pra educa-lo. Amo a pessoa dele, como ele cuida da nossa familia. Mas essas conversinhas paralela me incomodam de mais, nao sei se consigo superar.
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